MEL



Janeiro é sempre um mês de bons ventos. Dessa vez, estava passando em uma cidade do interior alemão e resolvi sentar pra tomar aquela tulipa suada. Nunca tive predileção pelas loiras, mas, aquela gelada me fazia uma ótima companhia.
Entre um gole e outro, ergui os olhos e dei de cara com aquela ruiva de olhos sofridos e brilhantes. Aquele tom de mel nos olhos e nas palavras que me dirigiu enquanto perguntava se podia sentar me embebedaram antes do quinto gole - que aliás, não consegui nem degustar porque me apressei em engolir antes de entalar.
Confesso que nem notei o conjunto da obra, apenas o olhar e as palavras.
Depois de ela sentar e trocarmos algumas palavras despretensiosas, entendi no corpo dela que aquele frio era demais pra um corpo só. Como pessoa de atitude, pedi a conta e a chamei pra darmos uma volta em uma daquelas praças cheias de árvores douradas só para tentar derrotar o meu sistema ébrio e tornar a ter alguma energia suficiente para fazer o calor explodir e eliminar aquele frio quase polar que estava trincado em nossos medos não citados ainda.
Ela tinha 27 e administrava uma livraria. Eu tinha 25 e passava o tempo decifrando pessoas enquanto os navios atracavam e partiam com a minha remuneração saudável. Ela queria um pouco mais de aventura fora daquelas janelas brilhantes e de toda aquela ordenada sequência de tramas. Não pude hesitar.
Levei os seus sonhos para casa comigo e o seu corpo também. Espalhei o seu sorriso pela casa e os seus gemidos pelo chão, tapete, sofá e colchão como se fossem a minha nova decoração permanente e esqueci que para cada porto há uma nova moça oferecendo os seus beijos e desejos. Esqueci mesmo. Deixei-me de fato enfeitiçar por aquele tom de MEL.
Horas depois e não se sabia mais o que era frio, o que era menos quente que o borbulhar dos nossos sexos se tocando, se completando e nos fazendo delirar em febre de tanto prazer.
Como sempre, não perguntei se ela era casada ou tinha alguém. Não me interessava saber se ela traía ou era apenas uma bela mulher querendo ser amada. O que importava era saciá-la. Modéstia a parte: eu o fiz com supremacia.
Ao fim de sei lá qual rodada, ela me olhava bem dentro dos olhos - lá dentro mesmo, como quem enxerga a calcinha da alma [caso ela se vestisse e fosse tímida] - e antes de adormecer sobre o meu peito vadio, falou:


"Não te quero prender o corpo entre minhas pernas nem congelar o teu sorriso em uma foto magnífica. Quero apenas te ter voando em meus pensamentos espirais, te sentir queimando os meus sentidos e acalmando os meus medos. Não te quero por toda a vida nem por mais um fim de tarde. Quero apenas que faças o que o teu coração mandar - ainda que vadio e ébrio. Consome o meu corpo e te apropria da minha alma se for da tua vontade, mas, não me deixe a esperar. Não sou a mulher que te faz esperar no altar, sou a que te acompanha na praça, bebe contigo e te sorri ainda quente um espírito de cavalo silvestre que encontrou o domador".


Sim. Era o nosso primeiro encontro e ela já se arremessava como um meteoro na minha cama e na minha vida. Como se pudesse chegar assim e organizar tudo a seu gosto. Ela não me perguntou, apenas se rasgou diante de mim.


De fato, havia cansado de domar as ondas e os homens sempre tão metidos a mais espertos que eu. Não tive medo, não havia mais tempo pra pensar em 2+2 nem 1+1. Apenas, a atirei na parede do meu quarto e a beijei como a primeira noite de um casal virgem e sedentos por se descobrirem.
Descobrimos que a felicidade não tem prazo de validade. Constatamos que não há uma necessária constante e que o amor não precisa de tempo pra aparecer, ele vai e volta quantas vezes sentir vontade, mas, sempre no mesmo mar... sempre nas mesmas páginas marcadas.
O amor é - definitivamente - um jogo de cartas marcadas.


Que venham os próximos livros dessa história sem fim.

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