o amigo do John


por Dan Barros
Estava impaciente e resolvi levantar da cama pra ver o sol nascer triunfante. Senti um convite particular, desarmei a rede e pus os meus pés na areia. Caminhei até o mar, toquei [ou me deixei tocar] pela água gelada que me parecia um afago e sentei com aquela bermuda azul ao lado de um cara que até pouco tempo não recordava existir.
Ele sorriu aquela alegria de poder voltar e de ter alguém com quem se comunicar. Sorriu tão abertamente que o abracei de imediato sem nem conhecer, como se abraça uma criança pedindo colo no meio da praça.
Ele recostou sobre o meu peito, se aconchegou e contou-me uma história que não me cabia ouvir sem assistir. O sorriso moleque, o olhar travesso, o suspiro antes de cada nova fase da história ficaram marcados. Aquele sentimento que rodeava o desabafo era tão incalculável quanto a movimentação do vento sobre os nossos cabelos e os beijos que o mar dava em nossos pés.

"Certa vez, eu sentei aqui e enquanto olhava aquela menina sorrir, senti que embora fosse racionalmente cedo para o despertar, aquilo haveria de existir. O meu tempo era pouco, talvez, nem o tenha aventurado por completo, mas, eu tinha medo.
Ela era encantadora, John. Se você pudesse vê-la mais jovem com aquele brilho no olhar que nunca mais vi... Se você pudesse sentir aquele abraço que enlaçava nossas almas... Se ao menos pudesse sentir o cheiro do nosso corpo [que já não era mais plural]...
Eu tinha o meu jeito de demonstrar meu carinho, meus sentimentos em geral, sabe? Penso que ela não compreendeu muitas vezes. Penso que imaginou que eu era frio e que nunca a amei de verdade. Ela teria razão se pensasse assim. [Me espantei] Não! Não! Não é que isto fosse verdade, é que eu era burro demais pra demonstrar do jeito que ela queria ver.
Enquanto ela queria um amor eu tinha medo. Enquanto ela me buscava, eu fugia. Enquanto ela mergulhava de cabeça, eu ficava na borda esperando o momento certo de jogar a bóia.
Ela foi fundo, John. Muito fundo até. Eu fiquei exatamente aqui onde estamos - na borda. Não posso negar o que senti, mas, não posso dizer que fui lá no fundo.
Hoje, ela sente a minha falta e eu sinto falta de não ter lhe dado aquilo que ela mais me dava: AMOR.
Eu era jovem. Ela também. Eu cresci aqui andando por esses lados, ela continua uma criança amedrontada e cheia de vontades, de dúvidas, de AMOR.
Queria te pedir para que me fizesse um favor: cuida dela. Não a deixe sozinha por motivo qualquer que seja. Como você vai reconhecê-la não é o mais importante, ela te saberá primeiro. Como vocês se aproximarão? Não importa, tudo estava desenhado antes de vocês se esbarrarem tantas vezes sem se notar.
O tempo certo não é o nosso e você sabe disto.
Não desista, caro John.
Não cometa o mesmo erro que eu.
Dormir pode relaxar o corpo, mas, impede que a tua alma flutue no conhecimento maravilhoso da vida que transborda diante de ti.
Corre lá.
Mergulha.
Depois, sorri!
A vida me deu coisas maravilhosas, pessoas extraordinárias e o adormecer me deu a certeza de que uma vez amados, jamais seremos esquecidos.
Não é a pessoa que enterramos, o corpo é restrito demais para uma vida inteira - ainda que breve -, a vida é eterna fonte de esperança e um perpétuo mistério da estação em que desembarcaremos para comer amendoim ou dar adeus aos parceiros que seguirão para as próximas.
Não. Eu não sou um anjo. Sou só um moleque atrevido batendo um papo com um grande novo amigo.
Falou.
E não esquece de me fazer este favorzinho... Na realidade, vai ser um favorzão. E nem adianta me dizer que foi presente de grego..."

Ele levantou. Me deu as mãos para me erguer e me abraçou.
O rosto dele não me era estranho no início, mas, quando levantou tinha outro rosto, outra voz e um sorriso singelo, suave.
Imagino que muita dor tenha afligido a quem o ama, mas, havia ficado claro: ele queria felicidade, alegria total, vida e mais vida!
Decidi que não faria o que ele me pediu porque ele é "retardado" [gargalhadas]. Eu já a havia conhecido, ela já havia me escolhido. Na realidade, é só um modo de provocá-los. Porque eu sei que ainda tenho muito a conhecer de ambos e entendo bem o que vem a ser a aproximação.
Resolvi que iria cuidar para que aquele amor não acabasse, mas, que fosse saudável. Vou polir aqueles olhos doces e espantados para que eles voltem a ser brilhantes e VIVOS.
Chega de dor, de vazio... Eu quero é preencher, quero jogar pra cima e dizer "VOA, PASSARINHO, QUE ESSE CÉU É TODO TEU!"
Então, deixa pôr uma roupa e partir que o trem não demora a passar e o terminal se aproxima a cada suspiro.

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