Sem Cais

by Me

Não havia muito tempo desde o último encontro, mas, elas pareciam vizinhas de infância que agora eram senhoras vovós. O abraço. O elo. A liberdade.
Elas sabiam que o amor não priva, não enlouquece - se não for de paixão, desejo, vontades tantas -, não machuca. Lee tinha um namorado doente - ossos do ofício de família cristã conservadora-retrógrada -, possessivo, covarde. Jung acabara de sair de um relacionamento que havia trazido aprendizados culturais e desbloqueado alguns lotes sociais. De fato, ambas não estavam felizes - não em grande parte e não se pode ser feliz pela metade.
Jung era mais "relax" e não procurava nenhuma nova experiência. A última namorada ainda estava na cabeça e nos póros - sua pele transpirava aquele cigarro do cinzeiro underground e aquele perfume marcante que mexia com os sentidos automaticamente.
Lee, embora tivesse um namoro conturbado, inconstante e médio feliz, não se conteve ao ver a Jung passar na rua. Olhou. Fixou. Seguiu e clicou aquela imagem na memória de um coração ébrio e sedento por vida - Vida real, mesmo que fantástica e possível, mesmo que difícil.
Jung nem notara. Estava cercada pelas dúvidas de "esquecer ou reconquistar", "dar um tempo ou continuar", "ir embora ou ficar", "sorrir ou chorar". Seria dia de mais um mês de namoro da Jung e ela estava sozinha, aflita e cheia de respostas para dar-se. Lee não estava preocupada. Olhava mesmo.
Foram a um restaurante.
(A Lee chegou por osmose mesmo. Na realidade, ela ia a uma biblioteca procurar um livro para o seu irmão. O rumo mudou, não só o do dia e sim o de boa - ou não - parte da sua vida.)
Jung queria algo tailandês - com bastante tempero e suavidade na concentração rústica -, Lee nem tinha fome. Estava ali só para observar. Buscar um modo de chegar mais perto.
Quando Jung foi ao banheiro, Lee passou ao seu lado e sorriu. Jung não teve como fugir, fora flechada por aqueles olhos quase que riscos e o sorriso mais "me põe uma coleirinha e me leva pra casa" que já havia visto.
A Jung não resistiu e retribuiu a "beleza e o sabor do gesto".
Lee se adiantou: "Sou nova na cidade e queria saber de alguma biblioteca. Mas, resolvi parar pra tomar um chá antes de procurar. Você sabe alguma onde possa encontrar bons livros de gastronomia tailandesa?".
A verdade é que a Lee era no mínimo muito inteligente, cativante e encantadora. Jung não imaginava que era alvo da Lee - de fato a segunda não parecia gostar muito desse tipo de relacionamento.
Sentaram.
Conversaram.
Criaram expectativas de desvendarem os mistérios mútuos.
Observei do cantinho do restaurante quando a Lee passou a mão na perna da Jung e sorriu como se nada fizesse. Jung que não era boba, segurou a sua mão e a chamou para ums biblioteca a alguns quarteirões dali.
Mencionei biblioteca?
Perdão.
Foram para uma aula menos teórica: o veleiro da Jung. A Jung era formada em gastronomia e poderia trocar conhecimentos com a Lee. O que a Jung não sabia ainda era do fascínio da Lee pelo mar. Dirigiram-se à bancada da cozinha e ficaram se provocando como quem escolhe o tempero para o prato principal sem nem ter experimentado a entrada. Jung se retraiu.
Lee parecia não saber de um mundo lá fora e puxou a Jung para junto. Beijaram-se primeiro com os olhos brilhantes como um farol, com os sorrisos tais quais mares abertos e sem cais, depois com os lábios que não devoravam sonhos, combinavam sentidos, histórias e um item ainda misterioso e sem rótulo.
O beijo parecia não ter mais fim. A vontade de estarem juntas também não. O prazer do toque e o calor do abraço muito menos. Elas estavam silenciando dores, saudades, dúvidas e desprazeres. Agora, alimentavam um animalzinho aparentemente faminto dentro de si.
As mãos passeavam livremente, as línguas se cruzavam como o símbolo do infinito e iam, as pernas se cruzavam e quase que se fundiam. Os desejos estavam fundidos. Os corpos unos. Os corações disparados.
Seguidas horas após tantos conhecimentos mixados, elas só queriam sorrir, contar histórias e sorrir novamente. Não pensavam em quanto tempo havia passado, no que acontecera antes daquele encontro nem do que seria depois. Sabiam que era único o momento e não queriam desperdiçar um segundo com o que se passava fora dali.
A noite passou e Lee nem percebeu que havia um relacionamento lá fora. Jung não sabia de dúvida alguma. Elas se misturaram como o vestido e o paletó de Chico Buarque em "Eu Te Amo".
Tive que ir trabalhar. Já havia coletado uma bela história para a minha coluna. Na verdade, não quero que ela tenha fim. Por isto, fica em aberto os mistérios que o mar guardou e aonde eles as levará.
Espero revê-las outro dia e dar-lhes-ei notícias sobre esse romance sem rótulo e sem cais.

2 Comentários:

Jéssica Francielle. disse...

Ta lindo...
Quero saber como vai terminar...
espero que um final feliz, sempre existe.
Beijos!

ssaroquinhaa disse...

"Espero revê-las outro dia e dar-lhes-ei notícias sobre esse romance sem rótulo e sem cais."


Quem espera revê-las outro dia sou eu... e com novidades bem quentes no ar. Não posso negar que reconheci de princípio essa história, e devo confessar que amei. Espero mesmo que não tenha fim, e se tiver, q sejam juntas! ^^

Postar um comentário