Olhos x Olhos

Foto do filme "Ironias do Amor" [My Sassy Girl]
"Quando você me deixou, meu bem, me disse pra eu ser feliz e passar bem", então, desliguei o telefone e fui curtir a minha triste solidão.
Em meio a tanta gente, tanta alegria, estava ela lá concentrada. Em meio a tanta música, dança, agitação, estava ela lá observadora, possessiva. Não tive como me livrar dela. Ela grudou em mim. Sufocou qualquer membro que buscasse um milímetro de liberdade.
A solidão devorou os meus sentidos, desejos e sonhos. Afogou todos os meus projetos concretos e os meus planos apaixonados e desvairados.
Ah, Solidão...
Desde aquele dia, tive muitas mulheres. Tive algumas maravilhosas, outras medianas e algumas que nunca mais quis nem me esforçar pra lembrar o nome. Não importaria mesmo! O único nome que não me saiu da cabeça foi o da mãe daquela Solidão cruel.
Rebeca não estava por perto. Ao contrário, enquanto Miguel chorava a sua ausência, ela se divertia numa praia com alguns amigos. Enquanto a solidão vorazmente comia as tripas dele, ela comia camarão e tomava uma estúpida cerveja gelada - ou estúpida tomava a gelada cerveja - gargalhando ao lado de outros imaginariamente imortais.
Miguel... Miguel é um nome forte, nome de guerreiro, nome de herói.
Não, não escolhi este rótulo. Já me fizeram sair da fábrica com ele. Sou feliz por ele, porém, não me livro dessa Solidão.
Muitos anos se passaram. Muitos sorrisos encontrei. Muitas lágrimas rolaram por baixo dessas pálpebras e por dentro desse corpo aberto. Não adiantaria tentar fingir ao reencontrar. Não tentaria. Não queria rever. Mas... Ela me viu! Sorriu! Pulou em meus braços - aliás, se atirou em mim! Beijou o meu pescoço e me fez sentir a vida nas veias novamente.
Sorri meio sem jeito. Suspirei indiscretamente. Desejei estupidamente.
Sim... Eu já sabia que ela tinha uma outra pessoa na vida dela, que havia reconstruído o seu castelo de cartas viciadas, furadas e baratas, que estava vegetando novamente - ou parasitando se preferir -, que estava encenando a sua própria vida - que não havia de fato - aos que nem mesmo se interessavam por adentrar no camarim.
Infelizmente, ela me olhou nos olhos. Ela me transpassou a superfície, me levou além dali. Consegui enxergar todas aquelas noites de amargura e solidão, todos os cigarros tragados pela autocompaixão, todas as doses de alienação do real pesar de viver o comodismo de ser parasita de algo fútil e desegradável, de algo falso, forjado.
Senti um nó na garganta, outro no peito, outro nas mãos e outro na alma.
Ela era a mulher que sempre amei. Aquela que sempre respeitei, desejei, defendi, idolatrei.
Eu era só o Miguel. Era só um provável futuro amigo. Uma página que se foi no meio de algum livro daquela estante imensa e empoeirada.
A solidão de fato nunca me deixou e o meu amor também não.
Vi nos seus olhos um apelo de "tire-me daqui!", mas, não conseguia reagir. Não consegui tirá-la de lá e separar-me da minha Solidão.
Não entendo como pode uma mulher ser tão amada e abrir mão disto?
Como alguém pode esperar tanto pra encontrar um companheiro e o troca por alguém que manobra máquinas de sexo?
Como se pode deixar alguém de verdade por um personagem?
Como se pode preferir o pirata ao tesouro?
De fato, não sei. Contudo, aqueles olhos nos meus olhos me fizeram entender que ainda há vida ali dentro e, portanto, ainda tenho de continuar vivendo. É ali que mora o amor e o sentido da minha vida. Enquanto ele houver, eu continuarei lutando sem desistir.
Quanto a minha Solidão... Ela continua a me sorrir, mesmo quando eu só consigo chorar.

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